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O ano era o de 1953. A cidade, São Paulo. Num terreno localizado na
avenida Francisco Matarazzo, no bairro da Água Branca, Zona Oeste
da capital paulista, uma grande lona montada chamava a atenção.
Para quem passava de longe, era apenas mais um circo, como tantos
outros, a se estabelecer na grande cidade em busca de espectadores
e dinheiro. Para quem chegava mais perto, porém, a movimentação
não lembrava em nada um espetáculo circense. De palhaços e animais
amestrados, nem sinal; no lugar do picadeiro, havia um púlpito;
em vez do mestre de cerimônias, um pastor anunciando que Deus iria
operar milagres; na platéia, em vez de crianças chupando pirulito,
pessoas compenetradas, de Bíblia na mão, algumas com lágrimas nos
olhos. Dentro da lona, 3 mil pessoas cantam e oram em conjunto,
fazendo um barulho santo, alimentado pelo fogo pentecostal que,
a partir daquele momento, se espalharia, dando origem ao movimento
que, anos mais tarde, faria do país uma potência evangélica.
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Aquela reunião inusitada,
totalmente diferente de um culto convencional, foi o ponto de partida
da Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), que, em 45 anos de atividades
no Brasil, conseguiu reunir 1,5 milhão de fiéis e influenciar decisivamente
a história do Evangelho no país.
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O surgimento da
denominação em terras brasileiras está diretamente ligado à iniciativa
de evangélicos americanos. Foi de lá que partiu, em 1944, o pastor
e missionário Harold Edwin Williams, decidido a trazer o Evangelho
para a América do Sul. Nascido em Hollywood – a Meca do cinema –
em 1913, Williams chegou a atuar em filmes de faroeste. A carreira
de caubói não durou muito, mas seu trabalho no Reino de Deus daria
um longa-metragem. A vocação missionária o levou a estudar Teologia
no Seminário Life, da Igreja Quadrangular Internacional, em Los
Angeles.
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Após terminar o
curso, Harold Williams foi ordenado pastor e tornou-se diretor superintendente
da mocidade da IEQ em onze estados americanos.
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Nessa época, ele
já estava casado com Mary Elisabeth, pastora da denominação. Depois
de um ano atuando como missionário da igreja na Bolívia, Harold
Williams resolveu continuar seu ministério no Brasil, que na época
ainda era um país essencialmente rural e dominado pelo catolicismo,
sobretudo no interior. A industrialização engatinhava e não havia
quaisquer restrições ao ingresso e ao trabalho de estrangeiros no
país. O pioneiro tinha intenção de fixar-se numa região onde pudesse obter maior repercussão para o grande trabalho evangelístico que pretendia realizar.
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Em
1946, desceu de barco pelo rio Amazonas até chegar a Belém (PA),
onde embarcou num navio em direção a Santos, no litoral paulista.
Fixou residência provisória na cidade mineira de Poços de Caldas,
onde aprendeu a língua portuguesa e começou a "espiar a terra",
avaliando qual seria o local mais apropriado para lançar a semente
da denominação no país.
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Bênçãos no 'circo'–
No dia 15 de novembro de 1951, abriram-se as portas do primeiro
templo da Quadrangular, na cidade de São João de Boa Vista (SP).
Pentecostal convicto, Harold Williams não se satisfez com os resultados
obtidos nessa primeira congregação. Sonhava em anunciar a obra carismática
do Espírito Santo em nível nacional. A guinada começou através da
cruzada realizada pelo pastor americano Raymond Boatright no dia
1º de março de 1953, no templo da Primeira Igreja Presbiteriana
Independente do Cambuci, emprestado para o evento. Evangelista renomado
em seu país, Boatright era um velho amigo de Williams, e os dois resolveram juntar
forças naquele esforço de evangelização.
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Como os sinais acompanham
aqueles que crêem – como diz a Bíblia –, o templo não foi grande
o suficiente para abrigar por muito tempo os cultos superlotados
em que ocorriam milagres e renovação espiritual na vida de muitas
pessoas. O carisma de Raymond Boatrigth atraiu multidões e até mesmo
repórteres de jornais locais, que publicaram manchetes como "A
repetição dos milagres de Cristo", "Pastor norte-americano
opera curas assombrosas no Cambuci" e "Milhares de enfermos
anseiam por milagre no templo do Cambuci". Pela primeira vez,
os evangélicos ocupavam espaço na mídia de forma expressiva.
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Tanta repercussão
impulsionou a dupla de evangelistas para um trabalho muito mais
amplo. Nascia assim a Cruzada Nacional de Evangelização, que se
tornou um marco na história do Evangelho no Brasil. Essas jornadas
atraíram ainda mais gente para os cultos, que já eram realizados
num templo presbiteriano no Braz. Mais de 15 mil pessoas se acotovelavam
até no ginásio esportivo da igreja. A procura era tanta que a duração
dos cultos teve que ser reduzida a 40 minutos e as reuniões eram
realizadas uma atrás da outra, o dia inteiro.
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Apesar da alegria
geral pelas bênçãos, a situação foi ficando insustentável. A solução
que apareceu foi um misto de milagre e loucura:
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um grupo de crentes
americanos fez a doação de uma lona de circo capaz de abrigar 3
mil pessoas. O presente foi trazido pelo pastor Raymond Boatrigth
e logo passou a abrigar as reuniões que, àquela altura, já tinham
se tornado conhecidas em todo o país. Os cultos, animados por músicas
de louvor em estilo country – inclusive com o uso da guitarra elétrica,
uma inovação em reuniões evangélicas –, caracterizavam-se pela informalidade,
com orações coletivas e forte ênfase na realização de milagres e
no batismo com o Espírito Santo, experiência carismática considerada
pelos pentecostais como a plenitude da vida espiritual e que, até
aquela época, ainda não era muito comum entre os crentes nacionais.
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Chama acesa – No
início do ano de 1954, o trabalho já crescera tanto que foi necessário
organizá-lo em bases menos improvisadas. O pastor Harold Williams
alugou um teatro, onde passou a funcionar a congregação.
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Enquanto isso, a
tenda dos milagres continuava sua peregrinação por várias partes
do país, sempre abrindo frentes de trabalho que, mais tarde, viraram
igrejas: Curitiba (1955) e Ponta Grossa (1958), no estado do Paraná;
Florianópolis (SC), Juiz de Fora (MG) e Rio de Janeiro, em 1956;
Anápolis (GO) e Manaus (AM), no ano de 1959. Em 1957, a igreja adquiriu
o terreno onde foi construída e funciona até hoje a sede nacional
da denominação, no bairro de Santa Cecília, na capital paulista.
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De acordo com o
pastor Daniel Marins, supervisor da IEQ no estado de São Paulo,
o tempo passou, mas a chama evangelística permanece mais acesa do
que nunca. Ele é o responsável pelo projeto Tendas Itinerantes,
implantado no início deste ano. "A idéia é armar tendas durante
quatro meses em cidades estratégicas onde existe resistência ao
Evangelho.
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Constrói-se depois
a igreja definitiva e a casa pastoral, e a tenda é transferida para
outra cidade", explica Marins. O pastor informa que 11 terrenos
já foram comprados para edificar igrejas nascidas desse projeto.
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Em Águas de Lindóia
(SP), um templo com capacidade para mil pessoas foi inaugurado no
último dia 21 de junho, o local onde uma dessas tendas aterrissou
meses atrás. "Estamos obtendo resultados expressivos",
festeja Marins. Quase meio século depois de surgida no Brasil, a
IEQ continua fiel às suas origens e espalhando suas tendas pelo
país. O Reino de Deus agradece.
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A Igreja do Evangelho Quadrangular
adotou esse nome devido a uma mensagem pregada por Aimée Semple McPherson
em 1922, numa grande tenda em Oakland, Califórnia (EUA). Naquela noite,
a missionária falava sobre o primeiro capítulo do livro de Ezequiel,
quando o profeta descreveu a visão que teve dos quatro querubins,
com rostos de homem, leão, boi e águia. A pregação foi tão poderosa
que nasceu ali o movimento que logo se difundiria pelo mundo e chegou
ao Brasil nos anos 40. A doutrina da Igreja Quadrangular ressalta
os quatro benefícios do Evangelho: a salvação (representada pelo rosto
do homem), o batismo com o Espírito Santo, identificado como o rosto
de leão, a cura divina – representada pelo boi, como o grande removedor
de fardos e pecados – e a segunda vinda de Cristo à Terra, simbolizada
pela figura da águia. A simbologia se estende às cores vermelha, amarela,
azul e roxa, usadas para representar, respectivamente, as quatro faces
do Evangelho pregado pela Quadrangular.
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A denominação segue a linha pentecostal,
com cultos caracterizados pela informalidade e pela participação
intensa dos frequentadores.